Mank | Crítica: Mesmo com boas atuações, longa se perde em sua própria metalinguagem.

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MANK
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Mank (2020) é um desses filmes que consegue reunir tudo que faz um filme ser bom, sabe? A produção conta com grandes chances de ter uma boa trajetória na temporada de premiações, tem um elenco com nomes conhecidos, um diretor de peso, e ainda, presta homenagem para a própria Hollywood que ama quando é referência e adorada.

E para completar esse pacote, Mank, claro, ainda foi gravado em preto e branco. Uma decisão criativa.

Mas no final, Mank é tudo isso?

Mank critica
Mank | Crítica
Foto: Netflix

Sim e não. Ao mesmo tempo que o novo longa do diretor David Fincher é uma obra visualmente e esteticamente impecável, marcado por boas atuações de seus atores principais, Mank se perde em sua própria metalinguagem para contar a história de Herman J. Mankiewicz. Mankiewicz, ou você pode chegar nele apenas o chamar de Mank, foi um roteirista beberrão, que recebe um prazo surreal para completar o roteiro de um filme. Assim, ao longo dos dias que cercam o prazo, ele se isola em uma pequena casa, com a ajuda de enfermeira alemã Fräulein Frieda (Monika Gossmann) e uma datilografa britânica chamada Rita (Lily Collins), o escritor precisa enfrentar a pressão para completar as páginas, e também precisa enfrentar seu vício com bebidas que tem atrapalhado sua trajetória em Hollywood até então, junto com seu humor peculiar e sua boca grande, claro.

Durante uma das passagens do longa um dos personagens diz “Você não pode capturar a vida inteira de um homem em duas horas. Tudo que você pode esperar é deixar uma boa impressão” e é basicamente isso que resume minha experiência ao assistir o filme. Mank tinha tudo para me deixar empolgado e vidrado em tela, mas ao mesmo tempo sinto que o longa se homenageia demais, baba demais em sua própria história como se tivesse se namorando o tempo todo ao se olhar no espelho.

Em Mank, demora um tempo para entrarmos de cabeça na história que se passa bem, na cabeça de Mank, e ao fazermos isso, o roteiro de Jack Fincher – pai de David Fincher que resolve gravar o filme que o pai nunca conseguiu fazer, em uma história que Hollywood vai super comprar – entrega uma grande e amalucada aventura por uma Hollywood cheia de figuras que são apresentadas e jogadas em tela sem nenhuma cerimônia. Temos salas de roteiristas com diversas pessoas que fumam e bebem, e aprovam e rejeitam filmes sem mais nem menos, executivos de Hollywood que só pensam em lucros e em se saírem melhor que a competição, produtores nervosos com o set de gravação, e diretores que vem e vão ao longo do filme como um desfile de uma apresentação de Carnaval.

Com tudo isso, o filme ainda tem um texto que chove falas e referências, onde cabe ao espectador ficar em alerta constante na tentativa de tentar conectar os pontos, e quem é quem, como se o filme se importasse com isso, ao atropelar a história sem menor pudor.

E isso tudo se dá pelo fato que o Fincher (o roteirista) tenta ao mesmo tempo contar a história de Mankiewicz, e ainda, fazer uma homenagem ao longa Cidadão Kane (1941) que é o roteiro do filme que Mank tenta escrever entre uma garrafa de bebida e outra e se recuperar da perna quebrada depois de um acidente. E ao homenagear a Hollywood dos anos 30 e 40, o antigo glamour, e os tempos mais simples sem filmes de super-heróis, a Guerra do streaming, e etc, Mank parece que faz de tudo para agradar muito os cinéfilos de carteirinha, a comunidade do film twitter, e o viciados em darem check-in no Letterboxd. Afinal, Mank é um filme que fala sobre a criação de filme que fala sobre pessoas que existiram de verdade em Hollywood mesmo que não seja diretamente sobre elas? Entenderam a confusão? Christopher Nolan e Tenet apenas sonham…

As cenas de flashback que servem para situar o espectador na história, e que se conectam diretamente com Cidadão Kane (um dos primeiros que usou essa técnica em Hollywood lá nos anos 40) e que contam como Mankiewicz se tornou essa pessoa não grata na antiga Hollywood (“Mank? Ele é só um roteirista“) é usado tanta vezes, e quebra tanto o ritmo do filme, que quando os créditos, que imitava um roteiro, subia pela enésima, e apontava em tela que era um flashback que iriamos ver, eu me contorcia e pensava: mais um? É como um dos personagens diz: “É uma coleção de fragmentos que pula em tela, como se fossem feijões mexicanos” E é isso mesmo, é Fincher (tanto o roterista quando o diretor) que avisa para o público como o filme se comporta e acaba por dar um resumo de o que é Mank e o que podemos esperar dele.

MANK
Welcome to my mind, Old Sock
Mank review
Mank critica
Mank | Crítica
Foto: Netflix

Se tinha alguém para interpretar a figura atormentada que foi Mankiewicz esse nome é Gary Oldman. O ator realmente se destaca e está muito bem em tela e consegue criar um personagem a altura da fama (e da importância) que teve na antiga Hollywood. O Mankiewicz de Oldman, é o clássico anti-herói, é aquela pessoa que torcemos não querendo torcer, sabe? Ao mesmo tempo que o personagem se afunda e quase morre pela sua boca grande, é ela que o salva de muitas coisas. E as cenas de Oldman com a atriz Amanda Seyfried como a dançarina/aspirante de atriz/atriz, Marion Davies são um espetáculo incrível de se ver e realmente entregam algo a mais e que deve garantir indicações para a dupla. E o longa, tem também, além dos dois, bons momentos protagonizados por Tom Pelphrey, como Joseph Mankiewics, o irmão mais, mais pé no chão, e também roteirista responsável por sucessos como A Malvada (All About Eve, 1950) e Charles Dance como um empresário chamado William Randolph Hearst, que começa como uma figura aliada de Mank e que se torna o foco do roteiro do mesmo mesmo que de forma indireta. Mas como falamos são tantos personagens, tantas variáveis que deixam o filme com um ar cansativo e que dá voltas em si mesmo e nunca parece chegar onde deveria chegar.

WELLES
(extending hand)
Mank? It’s Orson Welles.

Que é claro, em mostrar, toda a disputa entre Mankiewicz e o diretor Orson Welles (Tom Burke), que encomendou o roteiro do longa, pagou pelas páginas, mas não deu os devidos créditos para o roteirista. Toda essa parte fica concentrada para os momentos finais, e joga um balde de água fria no que poderia ser realmente a grande graça do longa. No final, Cidadão Kane foi lançado em 1941, foi elogiado pela crítica, e foi indicado em várias categorias no Oscar daquele ano, e levou Oscar de Melhor Roteiro Original, que foi dividido entre Welles e Mankiewicz, e que aumentou a rivalidade entre dois ainda mais.

Os bastidores de Hollywood já tiveram tantas brigas de ego, tantos feuds lendário ao longo dos anos, que contar esse de um dos maiores filmes de todos os tempos merecia um cuidado maior e que não ficasse escondido em uma escolha artística em preto e branco, ou ainda figurinos exuberantes de época e uma recriação histórica muito bem feita.

No final, Mank se perde nisso tudo, aposta muito que espectador esteja familiarizado com tudo aquilo, o que claramente não deve ser o tipo de público da Netflix (onde o filme chega depois de uma breve passagem nos cinemas), e não faz um filme fácil, ou para todo mundo, mesmo que não deixe de ser bom naquilo que se propõe apresentar.

The End

Avaliação: 3.5 de 5.

 

Mank chega na Netflix em 4 de dezembro.

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