sábado, 12 outubro, 2024
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Noite Passada em Soho | Crítica: ​​Edgar Wright maravilhosamente navega entre realidade e sonho (ou seria pesadelo?)

Lembro perfeitamente, e vividamente, das palavras da personagem de Natalie Portman em Cisne Negro (2010): “Eu tive o sonho mais maluco possível na noite passada, eu dançava o Cisne Branco.” E o longa de Darren Aronofsky e Noite Passada em Soho (Last Night In Soho, 2021), que abriu a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, se conversam tanto, onde, ambos em suas próprias maneiras, contam essas histórias sobre jovens mulheres que vem o peso de suas profissões, do seu dia-a-dia, e de suas próprias saúdes mentais quase as afogarem em um mar de pressão e obrigações.

Fica claro que o que temos em Noite Passada em Soho é um filme em que é possível fazer um grande paralelo com Cisne Negro, mesmo que no final das contas, o longa britânico, nos entrega uma obra quase única em sua proposta. O que o diretor britânico Edgar Wright entrega aqui é um filme surreal, um filme de amadurecimento com uma dose de suspense psicológico e que em boa parte poderia ser um filme de Halloween. Prevejo aqui alguns anos, Noite Passada Em Soho sendo exibido em sessões temáticas de Halloween em Outubros futuros onde se mostrará ser uma obra cult que refletiu a nossa época assim como The Rocky Horror Picture Show foi para os anos 70.

"Noite Passada em Soho"
Thomasin McKenzie em cena de Noite Passada Em Soho
Foto: Foto: Courtesy of Focus Features © ALL RIGHTS RESERVED

Se você se apaixonou pelas escolhas musicais de Wright em Em Ritmo de Fuga (Baby Driver no original), em Noite Passada em Soho o que temos é novamente um agrado para os fãs de músicas, agora um pouco mais antigas. Noite Passada Em Soho é uma combinação de um filme esteticamente impecável com uma trilha sonora fantástica que só Wright conseguiria fazer.

E em Noite Passada Em Soho isso fica claro em uma determinada cena, bem lá no seu começo, onde vemos a jovem cantora em ascensão Sandie (Anya Taylor-Joy) cantar em uma audição a música Downton da cantora britânica Petula Clark, e arrancar um mix de sorrisos, e empolgação dos presentes, como Jack (Matt Smith), um rapaz boa pinta que vai a ajudar a realizar seu sonho, o dono do bar onde a jovem se apresenta, e a jovem Eloise (Thomasin McKenzie) que está lá, e olha vidrada e encantada a jovem loira com um vestido rosado cantar os versos em plenos pulmões.

O único problema é que Eloise não deveria estar lá, afinal, estamos em plena Londres nos anos 1960, e Eloise, bem, é dos tempos atuais e está de pijama sentada na plateia. Assim, o que Noite Passada em Soho nos apresenta é um curioso longa que vai a fundo na mente dessa personagem, afinal, a premissa da história é que todas as noites a jovem do interior que chegou em Londres para estudar Moda, quando dorme e sonha com essa Londres antiga, uma que é sua obsessão desde de criança, em que ela tanto gosta por conta das músicas, dos figurinos e uma das poucas coisas que a conectam com sua avó e sua mãe já falecida.

E então Wright, e seu time de produção, com o uso de impressionantes escolhas estéticas (o uso de espelhos aqui é um trabalho fenomenal), nos apresentam para grandes perguntas do que realmente está acontecendo aqui e o que ele quer dizer com tudo isso. Temos respostas para tudo isso? Sim. Wright cuida também do roteiro ao lado de Krysty Wilson-Cairns e entregam todas elas de uma forma muito interessante de se acompanhar e de se assistir, sem dúvidas nenhuma. Mas sinto que para isso temos que enfrentar um longo caminho.

Tipo aquele que a jovem Eloise precisa fazer o pub que ela começa a trabalhar até o quarto que ela aluga na casa da Srta. Collins (interpretada pela atriz veterana Diana Rigg que faleceu antes do filme ser lançado, a ​​Olenna Tyrell de Game Of Thrones) para ser seu próprio quarto fora da República estudantil liderada pela garota malvada da turma, a jovem Jacosta (Synnove Karlsen).

Assim, a vida de Eloise em Londres não parece tão fácil assim como ela imaginava. “Londres pode ser difícil demais.” é dito e repetido ao longo de Noite Passada Em Soho. Vemos que Eloise só encontra um pouco de paz em seu quarto banhado pelo letreiro neon do estabelecimento do lado, e quando ela vai dormir. E na medida que Eloise sonha, ela se vê transportada para a Londres dos anos 60 e acompanha vida de Sandie como se estivesse, oras do lado da jovem, oras como a própria Sandie.

"Noite Passada em Soho"
Thomasin McKenzie e Anya Taylor-Joy as Sandie em cena de Noite Passada Em Soho
Foto: Courtesy of Focus Features / ©2021 Focus Features, LLC

A trama de Noite Passada Em Soho então parece colocar essas duas personagens em uma perigosa brincadeira que mescla o que é real e o que é o sonho propriamente dito ou seria pesadelo?). Eloise, já acordada, começa a incluir detalhes da persona de Sandie em si, seja em sua personalidade, na sua aparência, ou na forma que ela reage aos desafios da cidade grande. E nada medida que Elosie avança no “Show da Sandie”, com um “´episódio novo” a cada noite, ela percebe que as coisas não parecem ser aquilo que aparentam, e tomam caminhos muito mais sombrios e sanguinários do ela esperava. O mesmo vale para Noite Passada Em Soho como um filme em si.

O texto de Cairns e Wright nos conduzem por becos sem saída da Soho de Londres, é como se Eloise vivesse em uma versão mais sombria de Alice no País das Maravilhas, onde a história flerta com algumas passagens e situações antes de efetivamente nos contar o que realmente acontece. Ao vermos Elosie definhar sem saber o que realmente ela sonhou seria verdade ou não, onde o filme lida com os problemas mentais que jovem tem, a busca por respostas sobre quem é a jovem dos seus sonhos, e o que aconteceu com Sandie, seu namorado transformado em agente Jack, e tudo mais, começam levar a estudante no presente para um caminho sem volta.

Sinto que Wright em muitas partes se apoia muito nas atuações de suas atrizes e no visual em neon azul do que efetivamente andar com a história. Claro, a presença magnética e impressionante que Taylor Joy emana toda vez que aparece é sempre muito bem vinda, é hipnótico ver a atriz (super em alta em Hollywood) aparecer nos sonhos de Eloise e realmente comandar boa parte do longa com seu olhar marcante. E McKenzie nunca fica de escanteio no longa e tem seus momentos de destaque, seja ao criar doce figura que Eloise se apresenta no começo, até mesmo na forma como a personagem se vê mudada por essa Londres, cheia de obstáculos e crueldade e as figuras de homens sem rosto que vivem por aí.

O mesmo vale para o ator britânico Matt Smith, muito bem aqui no papel, para o jovem colega no instituto de moda interpretado pelo ator ​​Michael Ajao, ou do ator Terence Stamp que faz uma fantasmagórica participação na história. Todos estão bem, mas fica claro que Noite Passada em Soho, o destaque fica com suas protagonistas, onde Eloise percebe que alguma coisa de errado aconteceu com Sandie anos atrás e possivelmente no mesmo quarto que ela vive no presente. Ou seria tudo coisa da cabeça dela? Afinal, Londres pode ser difícil. 

Quando Noite Passada em Soho para de andar em zigzag e realmente engrena nos seus minutos finais, todas as peças do quebra cabeça que Wright e Cairns apresentaram e com todas as pistas que foram dadas ao longo do filme se juntam em um impactante final é que parece que Noite Passada em Sonho vai rumo a luz do amanhecer e sai das sombras em ser apenas um suspense psicológico, ou apenas um filme de terror com cara de filme b e se transforma em algo a mais, uma coisa muito mais interessante do que se apresenta ser em um primeiro momento. No final, Noite Passada em Sonho acaba por um dos filmes mais estilosos do ano.

Avaliação: 4 de 5.

Noite Passada em Sonho chega nos cinemas nacionais em 18 de novembro pela Universal Pictures.

Filme visto em sessão da 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.


Miguel Morales
Miguel Moraleshttp://www.arrobanerd.com.br
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