Guerra Civil | Crítica: Jornalismo e política se misturam com tensão

Em Guerra Civil, o diretor Alex Garland reúne um ótimo elenco num filme tenso onde jornalismo e política se misturam.

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“Qual tipo de americano você é?” É com essa pergunta que temos o tom tenso e ameaçador de Guerra Civil (Civil War, 2024). Um dos maiores medos quando temos esses filmes e séries de ficção que se passam em futuros distópicos é notar que, talvez, a realidade vista nesses projetos está cada vez mais próxima de acontecer da nossa, fora das telas. E convenhamos, tem momentos que fica fácil não notar, ou perceber, que às vezes não estamos tão longe dessas coisas acontecerem por aqui, ou que pelo andar da carruagem, estamos de vias para fazer isso acontecer. Principalmente nos últimos tempos, com governos de direita radical assumindo o poder em diversos cantos do mundo.

E na ficção, nos últimos anos, também foi assim com The Handmaid’s Tale que realmente não poupou esforços em chocar com a história da ascensão de um regime totalitário e fanático e agora também, anos depois, temos Guerra Civil, o novo filme diretor e roteirista britânico Alex Garland que assume as duas funções. Vindo de filmes mais artísticos, cheio de conceitos e alegorias, e assim por dizer, mais cabeçudos, Guerra Civil marca talvez essa etapa na carreira de Garland que ele entregue o seu filme mais direto e reto e que não dá voltas para dizer o que quer dizer. E talvez seja o mais comercial do diretor na medida que é lançado num ano eleitoral nos EUA que mesmo com um governo democrata, ainda vê presenta a ameaça da extrema direita, um país ainda dividido e marcado pelo governo anterior e que vê um possível o retorno de Trump pairar sobre a nação que é uma das maiores potências militares e políticas do mundo.

Com um olhar de fora, e pronto para não ter papas na língua para apoiar um lado, Garland nos entrega com Guerra Civil um olhar extremamente tenso, caótico e pesado, onde jornalismo, e fotojornalismo, que aqui se misturam com política para contar essa história.  E no meio disso tudo, Garland se deixa o roteiro a desejar tem outra coisa para salvar o longa: o diretor usa personagens extremamente humanos para nos apresentar um futuro, não tão distante, e muito menos, não tão improvável de acontecer por aqui. Nessa road trip rumo a capital americana, nesse Esquadrão Suicida do jornalismo no meio de um EUA sitiado, e em plena guerra civil com Estados que viram pequenos países e repúblicas isoladas uma das outras, Guerra Civil conta uma história sobre como sobreviver num mundo que está virado de cabeça para baixo e que nada mais importa se você tiver um rifle e munição.

E Garland joga o espectador no meio dessa arena, desse jogos vorazes moderno, sem muito saber o que tá acontecendo. Afinal, já começamos com um discurso caótico e alarmista do Presidente (Nick Offerman) que governa um EUA dividido e fragmentado e bastante diferente do que estamos acostumados a vermos na TV. E não estamos falando da divisão Democratas e Republicanos, e sim, de regiões dentro do mesmo país que separaram e tentam controlar os territórios próximos. Assim, entra a figura dos jornalistas que cobrem esses eventos histórias como o repórter da agência de notícias Reuters Joel (Wagner Moura com um bigodinho chamativo e uma camisetinha PP), Sammy (Stephen McKinley Henderson) que trabalha para o que sobrou do The New York Times e a fotografa Lee (Kirsten Dunst), os poucos que sobraram da cobertura da mídia tradicional e estão cobrindo manifestações em Nova York.

Enquanto eles lidam com mais um dia no campo de batalha, eles conhecem a jovem freelancer e fotografa amadora Jessie (Cailee Spaeny),e o grupo vê a chance de fazer uma matéria diretamente de Washington D.C. que está cercada pelas forças que querem derrubar o que sobrou do governo do país. A missão? É suicida. Viajar pelos EUA, de carro, até a capital, para falar e tirar foto do Presidente nesse momento histórico. No meio desses personagens, Guerra Civil narra essa história sobre a derrocada americana pelos olhos de pessoas que estão ali para cobrir os fatos, tirar fotos dos acontecimentos, para não só reportar para o restante do mundo como também para manter nos registros históricos. É de certa forma uma filme para essas pessoas e esses profissionais.

Mas serve para mostrar que a viagem desse grupo não será tão fácil assim. E isso fica claro, na medida que o grupo cruza por barricadas, facções rivais lutando entre si, comboios que bloqueiam estradas, estádios usados como refúgios e muitos tiroteios. Garland, então, usa diversos momentos para impactar em cenas extremamente pesadas, viscerais e gráficas, para contar o que de pior poderá acontecer com os EUA no futuro.

Das diversas cenas de explosões, para momentos onde o grupo cruza com outros cidadãos americanos de lados opostos politicamente e ideologicamente, Guerra Civil vai por nos chocar na medida que as coisas ficam cada vez mais perigosas para esse grupo de pessoas nessa jornada. E a história, e o longa, são elevados por conta do elenco. Garland reúne profissionais tão diferentes entrei si, que compõem personagens que também são tão diferentes, uns dos outros, mas que no filme, em conjunto, apenas somam para contarem essa história da melhor forma possível. Vinda do poderoso Ataque dos Cães alguns anos atrás, Dunst realmente brilha sem tamanho aqui como uma calejada foto-jornalista correspondente de guerra que meio que presta uma homenagem para a lendária fotojornalista Lee Miller. Não é só no nome que as duas têm em comum. É como se Dunst fosse a personificação moderna de Miller, e a Lee da atriz acaba por ser um dos melhores papéis de sua carreira da atriz, sem dúvidas, onde sua atuação carrega o filme e boa parte da trama. As cenas de Dunst com Spaeny são incríveis de se ver, onde a jovem atriz que encantou o mundo com Priscilla no ano passado, mostra que veio para ficar nessa nova Hollywood pós-pandemia e pós greves dos sindicatos.

A inocência de Jessie e a sua transformação do começo do filme para o final é feita de uma maneira sutil e extremamente bem construída por Spaeny que já se mostra um dos nomes mais interessantes para acompanharmos nos próximos anos. E o mesmo vale para Moura, que galga seu espaço em Hollywood como ninguém, e tem feito projeto atrás de projeto nos EUA, das séries Iluminadas com Elizabeth Moss, para Sr. E Sra Smith com Parker Posey, Maya Erskine e Donald Glover. Em Guerra Civil, Moura não faz feio ao lados dos gringo ao entregar um personagem interessante, cheio de camadas, na figura desse jornalista também já mais veterano e com uma pegada Mandaloriano do colega Pedro Pascal, na medida que cria um relacionamento de pai e filha com a personagem de Spaeny também muito interessante de se acompanhar.

O mesmo vale para Offerman vindo após levar o Emmy por The Last Of Us, Henderson que aparece pouco mas também se destaca e para Jesse Plemons que assim como em Assassinos da Lua das Flores aparece rapidinho duas, três cenas, com poucas falas, mas essenciais para a trama e passagens extremamente tensas, mas boas, de se assistir. E se o elenco ajuda com o roteiro um pouco mais simples, Garland também compensa do outro lado, com um trabalho excelente de construção visual com violentas cenas, e também de qualidade sonora, onde o diretor usa a falta de som para contar o que acontece com esses personagens.

E depois de uma cena em especial, e que envolve Plemons, Guerra Civil só vai por melhorar, e escalonar na medida que a trama avança e esses personagens, quase como bonecos dentro do jogo War se movimentam para chegar no destino final que é um mix de explosão, tiroteio, e momentos de realmente tirar o fôlego. É impossível não se envolver com o filme, onde ficamos na ponta da cadeira para saber o que vai acontecer, com quem vai acontecer, e como vai terminar essa história que serve para chocar e ao mesmo tempo alarmar.

No final das contas, com Guerra Civil, o espectador vai sair tenso, com o coração na boca, ao assistir tudo que acontece em Guerra Civil. E para nós do lado de cá da tela, é só esperar que essa história de ficção permaneça cada vez mais na ficção, mesmo que o longa soe como um alarme que toca cada vez mais alto na medida que a trama se desenrola.

Nota:

Guerra Civil está em cartaz nos cinemas nacionais.

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