É curioso pensar que a sequência para o longa O Contador só chega agora nos cinemas em 2025, afinal, o primeiro filme saiu em 2016 que foi, tipo, logo agora, e ao mesmo tempo, também parece que foi uma eternidade atrás. Por exemplo, lá na época de O Contador 1, o ator Ben Affleck estava super em alta em Hollywood por ter levado o Oscar por Argo, era o novo Batman na DC, a atriz Anna Kendrick era um nome que tentava emplacar longas fora do eixo comédias românticas e comédias musicais e Jon Bernthal estava para começar sua trajetória na Marvel TV lá na Netflix.

Mesmo não sendo uma grande sensação quando saiu nos cinemas, e olha que O Contador 1 arrecadou mais de US$ 155 milhões em todo mundo com um orçamento de US$ 44 milhões, dá para dizer que o filme achou seu público alguns meses depois do seu lançamento. Afinal, em 2017, foi revelado que O Contador tinha sido o filme mais alugado daquele ano. Mas com Affleck envolvido na DC, talvez, por diversos outros fatores, uma sequência nunca veio, por mais que o filme tenha se tornado bastante popular depois da sua passagem nos cinemas, impulsionado pelo streaming e o hábito de assistir os filmes em casa desenvolvidos nos anos posteriores ao lançamento do projeto.
Logo depois, veio a pandemia, Affleck estava fora da DC, Bernthal fora da Marvel (e agora de volta para a Marvel), e tudo isso, somado com o poder do algoritmo, nos levam para O Contador 2 (The Accountant 2, 2025), onde a tardia sequência entrega um novo quebra-cabeça com inúmeras peças para serem contadas.
Com todas essas bolas no ar, cartas na mesa, e o personagem de Affleck, o contador autista tentando segurar todas elas de uma vez, a pergunta que fica é: Será que O Contador 2 dá certo e entrega um bom filme? Olha, sim e não. Vem que vou explicar igual quando o seu contador te mostra como foi calculado seu imposto de renda. Primeiro, sim, temos um bom filme sim, porque O Contador 2 faz sim um bom filme de ação e um que empolga de certa maneira. E muito por conta da parceria entre Affleck e Bernthal, já aviso.
E não, porque todo aquele ar divertido, com um texto afiado, e uma ideia bacana que o primeiro tinha, e também muito por conta do trabalho que Affleck e Kendrick fizeram no filme original, é perdido aqui. Afinal, O Contador 2 faz aquilo que poucos filmes com uma temática original conseguem fazer: se sair bem com uma sequência e expandir o Universo apresentado em sua história original.
O Contador lá de 2016 era um longa redondinho, com uma trama bacana sobre um cara no espectro autista que resolvia os problemas contábeis e financeiros e que por ventura trombou com um grande fraude que era descoberta com a ajuda de uma jovem. Começo, meio e fim. Puff. Acabou. Bacana né? Claro, mas sinto que o grande problema de O Contador 2 é dar um passo maior que as pernas e querer ser mais, quanto menos era o que deu certo para o filme no primeiro momento.
Me diverti com a sequência sim, mesmo ele entregando uma coisa, para mim, muito diferente, ou pelo menos a lembrança que tinha, do primeiro filme. Affleck (que tá excelente e parece que nem mudou do primeiro filme para cá) e Bernthal (que vem num bom ano após levar o Emmy por O Urso e retornar como o Justiceiro agora no MCU) juntos são os pontos altos do longa e todas as cenas que eles ou estão discutindo ou estão bolando o plano para desvendarem o mistério que eles caíram de paraquedas são muito boas e os dois atores tiram de letra reprisarem esses papéis.
Mas, ao mesmo tempo sinto que o caso/mistério que O Contador 2 apresenta é um pouco “complexo” demais para um filme de gênero que tem que apelar para um público maior e mais abrangente, diferente de Operação Vingança e Código Preto que soaram como uma história cheia de nós mas que miravam demográficos bem específicos. Acho que a história contada e apresentada aqui tem uma reviravolta a mais do que deveria e achei que lá para os momentos finais eu já tava “ok, entendi, que tal já acabar tudo?” e ainda tinha uma grande briga para ser resolvida em mais 20 minutos de filme.
Em O Contador 2, voltamos a acompanhar a rotina certinha de Christian Wolff (Affleck) que segue depois dos eventos do primeiro filme, onde ele vive sua vida e mora sozinho num trailer e tem como pessoa de contato uma voz do outro lado da linha que o ajuda no seu trabalho peculiar. Vemos que Christian até volta para o mundinho dos encontros e resolve ir em uma série de encontros às cegas que realmente mostram que o timing cômico de Affleck e do filme continua do primeiro para cá.
E as cenas do personagem hackeando o sistema de namoros alguém compatível matematicamente com ele são muito boa e tals, mas que se distancia para o tipo de filme O Contador 2 querer ser e meio que não se encaixa no restante da trama que o longa apresenta nos seus próximos minutos. Assim, já somos apresentados para o que vai ser o norte do longa, onde as consequências que a morte de Ray King (J.K Simmons que também reprisa papel do primeiro filme) trazem para a trama ditam a história.
E também para a vida de Wolff que não só se vê envolvido com uma nova questão para resolver com também precisa voltar a falar com o irmão Braxton (Bernthal), onde os dois vão se unir, juntamente com Marybeth Medina (Cynthia Addai-Robinson que também reprisa o papel do primeiro filme) e que meio que assumiu a divisão do Tesouro americano que era comandado por King.
Addai-Robinson, que esteve na série de O Senhor dos Anéis para a mesma Amazon que bancou essa sequência, está bem aqui, e faz as vezes do público nesse novo filme e meio que serve como a equivalente de Anna Kendrick no original. Só que ao mesmo tempo que O Contador 2 tenta expandir e aumentar sua história, o mesmo faz com seus personagens, onde fica claro que Addai-Robinson e sua personagem parece que sempre vão por ficar sobrando, afinal, O Contador 2 é totalmente apoiado pela dinâmica Affleck e Bernthal.

O diretor Gavin O’Connor (que comandou o primeiro longa, onde o trabalho lhe deu oportunidades para dirigir outros filmes no gênero) usa tudo que o roteiro de Bill Dubuque (que também retorna do primeiro filme) para deixar as cenas dos irmãos serem o que motiva a queremos ver esse emaranhado de pistas se desenvolver.
Temos chantagens, explosões, perseguições que se apoiam no gênero do macho brucutu que bate antes, tira satisfações depois, mas que aqui, por mais difícil que seja de concordar, combinam com a sequência e dão um arzinho mais cinematográfico para o longa. E se ficasse nisso até daria para aproveitar melhor a experiência que é O Contador 2, mas aí quando colocam a trama da escola de jovens com habilidades especiais (não é a Mansão Xavier, mas a referência está ali), a personagem de Justine (Allison Robertson) como a mulher na cadeira para Christian aparece, meio que o balancete de O Contador 2 parece que tem a somatória errada.
O Contador 2 tenta ir para um lado mais Pequenos Espiões na necessidade de transformar o que vimos no primeiro filme e nesse segundo num Universo único e próprio, mas acho que isso tira um pouco da graça que o primeiro teve de ser a história de um cara comum que apenas tem uma condição neurodivergente, mas que pode sair batendo nos bandidos do mesmo jeito, e que o segundo mal consegue arranhar um pouco esse debate.
Assim, na medida em que vamos por cair de cabeça no mundo do crime em LA, Christian, Braxton e Marybeth navegam pelas pistas desse caso que envolve tráfico de pessoas, de crianças, questões imigratórias e tudo mais e que acabou por valer a vida do ex-diretor da divisão governamental. Entre interrogar garotas de programa em hotéis baratos, fugir de assassinos (Daniella Pineda) e ter uma família de imigrantes para ajudar no meio disso, O Contador 2 até consegue contar uma boa história.
E principalmente uma que empolga tanto por ter tons de comédia no meio de caóticas cenas de ação e que dá muito certo quando vemos Affleck e Bernthal juntos. Fica claro que os dois atores são ativos fundamentais para a conta em O Contador 2 fechar.
O Contador 2 chega em 24 de abril nos cinemas nacionais.