Mickey 17 (2025) é o primeiro filme do diretor Bong Joon Ho depois que o sul-coreano fez história e ganhou o Oscar por Parasita lá em 2020. Tudo bem que ele gastou, talvez, todo seu capital em Hollywood com o projeto e tenha levado quase 5 anos para lançar seu novo filme, mas dá para dizer que com o que foi entregue aqui valeu a pena esperar.
Claro, o novo filme e essa empreitada em língua inglesa, não tem a mesma sutileza, reviravoltas, ou o mesmo empenho ao trabalhar a narrativa como uma forma de explorar e cutucar os ricos igual o longa vencedor do Oscar, mas cumpre seu papel em indagar e instigar reflexões.

E acaba por ser meio curioso que Mickey 17 tenha sido escolhido para se o novo e primeiro longa após o Oscar que Bong resolva explorar e fazer, já que o tema central escolhido por ele (adaptado da obra Mickey 7) vem sendo meio que debatido já algum tempo em Hollywood ao longo dos anos que o filme esteve em produção e tudo mais.
Afinal, depois que (cada um no seu tempo e na sua própria história) a série Ruptura, e os longas A Substância e Um Homem Diferente terem debatido a questão de mesmas pessoas, corpos diferentes, Bong faz sua própria sobre isso e aqui usa um excelente Robert Pattinson (ou vários) para nos entregar um filme de arte divertido e que acaba por ser uma sátira disfarçada de blockbuster do começo do ano.
E não é só Pattinson que está muito bem, e entre filmes do Batman de Matt Reeves, em Mickey 17 não. Todo o elenco que Bong escolheu e colocou aqui nessa história de ficção científica apocalíptica que se passa numa nave especial que sai da Terra e vai em viagem para um planeta remoto está muito bem.
Quase como se todos fossem escolhidos a dedo para embarcarem com Pattinson nessa aventura especial amalucada que acaba por ser Mickey 17. De Naomi Ackie para Toni Colette, Mark Ruffalo e Cameron Britton. Cada um com sua própria intensidade e seu próprio tempo de tela, está bem e usam a excentricidade e a doideira do tom que seus personagens imprimem para essa história de uma forma que dá uma sensação de estarmos vendo um longa basicamente com uma pegada única.
Tanto visualmente, quanto narrativamente falando. As doideiras que essa jornada apresenta e toda a mitologia construída sobre essa sociedade do futuro que precisa lidar com as questões sobre clonagem e tudo mais, é que marcam Mickey 17.
E claro, por Pattinson, que principalmente é o que realmente chama a atenção e está muito bem no papel. Claro que ele entregou um excelente Bruce Wayne/Batman, mas eu não via o ator tão bem assim desde de Bom Comportamento (2017). Afinal, é preciso um trabalho de um ator competente feito Pattinson para dar vida para essas diversas versões que o trabalhador Mickey Barnes tem quando ele se candidata para o trabalho de ser um “descartável”, ou seja, uma pessoa que faz trabalhos que ninguém quer, e que depois que morre, seu corpo é imprimido numa máquina gigante novamente e novamente.
Mas durante uma missão, já logo quando a nave que ele embarcou, chega num planeta desconhecido e remoto, a versão número 17 de Mickey sobrevive e cruza caminho com a versão 18, onde então as coisas tomam um rumo inesperado.
O roteiro de Bong (adaptado da obra de Edward Ashton) leva um tempo para chegar nessa parte da história mesmo que seja legal ir coletando as pistas que recebemos na medida que o próprio filme nos conta como ele, e a humanidade, chegaram ali. Assim, o espectador é ambientado nessa história narrada por Mickey e que apresenta, de uma forma até bem humorada, as situações que o personagem passa e o mundo que ele vive até então.
Desde de cair no golpe que levou do amigo, o trambiqueiro Timo (Steven Yeun) e que também embarcou na nave com ele (como um piloto), até efetivamente o momento que resolve embarcar rumo ao espaço e quando vemos os dias deles presos no espaço, onde uma amizade, e algo mais, com a agente de segurança Nasha (Naomi Ackie) floresce.

Mickey 17 então apresenta os pequenos detalhes dessa sociedade do futuro que o longa passa e como, como sociedade, chegamos no ponto de uma nave estar lotada de pessoas rumo a outro planeta para ser povoado. E claro, lideradas por um político canastrão, apresentador de um programa de TV e com grandes e reluzentes dentes aqui chamado Kenneth Marshall e interpretado por um incrível Mark Ruffalo (vindo da indicação ao Oscar do ano passado por Pobres Criaturas) e sua esposa articulada e mais que esperta Yifa (Toni Collette muito melhor aqui do que em Jurado Número 2, por exemplo).
Enquanto a viagem segue seu percurso, Bong aproveita para colocar Mickey nas diversas, e mais estranhas situações, para visualmente conseguir explicar para o público o que é que Mickey faz. É teste para ver as condições do ar, é teste para ver o que uma doença nova pode fazer, e depois teste para testar e fabricar uma vacina. No meio da estranheza, da galhofa, e do cômico nervoso das situações, Bong mostra para o espectador as doideiras que essa microssociedade passa.
Afinal, Mickey é tratado mesmo como se fosse um humano descartável. Onde suas emoções, seus sentimentos não são valorizados mesmo ele sendo uma pessoa (duplicada sim, mas uma pessoa). E na medida que a narrativa se complica quando vemos as versões 17 e 18 andando por aí na nave e toda a questão que envolve as criaturas que aparentemente vivem no planeta, onde é o destino final para a nave pousar, Mickey 17 deixa os debates morais e parte para a ação desenfreada enquanto vemos os comandantes da neve tentarem controlar os animais nativos do lugar.
No meio do humor, das piadas, e do clima mais divertidinho, Bong e Mickey 17 fazem uma análise social sobre a humanidade e mostram como a história se repete. Aconteceu na época das colonizações, na Terra, acontece quando os humanos saem dela para outros planetas e precisam enfrentar o medo do desconhecido e não aprender com eles.
Claro, a história em Mickey 17 sofre um pouco com uma barriga lá na metade, mas nada impede o longa de ser uma história que você se sente empolgado em estar ali, passando um tempo com esses personagens, e investindo as horas que você gasta com o filme. Como falamos, é um filme que desperta a curiosidade sobre o tema, nos faz questionar algumas coisas, e que garante bons momentos, muito mais pelos nomes do elenco envolvidos, principalmente de Pattinson que lidera o longa com uma dose cavalar de energia e carisma.
No meio de animais gigantes que parecem vermes com pêlos, e os filhotes que estão ali sendo caçados pelo exército da nave colonizadora, Mickey 17 empolga mais pelo conjunto da obra. Não é preciso só ter 17 Robert Pattinson em tela juntos e sim cercar o ator com diversos outros atores competentes e que ajudam a contar essa história maluca.
Mickey 17 chega nos cinemas nacionais no dia 6 de março.