Todos Nós Desconhecidos | Crítica: Tristes e com t*são

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No meio do boom de filmes de super-heróis, com grandes efeitos visuais, mundos fantasiosos épicos criados em salas com a última geração de tecnologia é tão bom ver um filme simples como Todos Nós Desconhecidos (All Of Us Strangers, 2023).

E simples não no sentido pejorativo, mas sim, um filme que por mais que seja simples em sua concepção, consegue falar sobre temas complexos, com personagens complexos, e com relações complexas. Afinal, é na simplicidade que Todos Nós Desconhecidos entrega não só um dos filmes mais bonitos da temporada, mas também um dos mais tristes dos últimos tempos. E além de triste, Todos Nós Desconhecidos mostra um Andrew Scott com bastante tesão reprimido e, de fato, no melhor papel de sua carreira.

Scott que ganhou fama repentina depois de estrelar a temporada 2 da série de comédia Fleabag aqui interpreta um introspectivo e solitário autor, na faixa dos 40 anos, que vê sua vida mudar rapidamente quando conhece um vizinho interpretado pelo queridinho de Hollywood no momento Paul Mescal.

No longa, vemos que Adam (Scott) vive um certo bloqueio criativo e não consegue fazer com que as páginas fluam do seu trabalho como roteirista de produções para TV. As coisas mudam rapidamente depois dele cruzar com Harry (Mescal) nos corredores do prédio vazio e depois de um tempo resolver dar uma chance para esse relacionamento florescer.

Adam fecha a porta uma vez na cara de Harry, recusa a bebida e algo a mais, mas depois abre novamente a porta, em outra oportunidade, e para uma nova oportunidade. E o que se desenrola a seguir tem um tom ao mesmo tempo melancólico e ao mesmo tempo também sobrenatural. E que dá um toque especial para o longa.

Depois de visitar a região onde morou na infância com os pais, já falecidos em um acidente de carro, Adam os encontra na casa que cresceu. Ali, parados na porta, com os braços abertos e prontos para saberem mais sobre o filho, e o que aconteceu na vida dele nos anos que eles não passaram juntos. 


Todos Nós Desconhecidos aposta então no sobrenatural e na descoberta do caminho não percorrido, e então desconhecido, para levar esse protagonista interpretado brilhantemente por Scott para uma visita ao passado e para resolver questões que vão o ajudar no presente.

E é como Todos Nós Desconhecidos estivesse embalado em um grande sonho. Afinal, o diretor Andrew Haigh faz o uso das cores, e das luzes, para ajudar, nós, os espectadores, a cairmos de cabeça enquanto ele conta essa história aparentemente estranha, adaptada do livro de Taichi Yamada, de uma forma extremamente imersiva de se assistir. Do azul melancólico, para o vermelho mais quente, para o caloroso laranja das cenas com os pais, Todos Nós Desconhecidos é um trabalho sensorial impressionante não só visualmente, mas também um que acerta ao nos fazer questionar sobre a tristeza que é a vida desse personagem e tudo que ele passou e tem passado.

O bom que Haigh desvenda os “segredos” da história Adam aos poucos, onde sempre as informações são apresentadas com uma descarga emocional gigante e sempre apoiada na atuação de Scott, tão precisa, tão contida, tão maravilhosamente humana. Scott está excelente, e com a ajuda Jamie Bell (o pai) e a Claire Foy (a mãe), Todos Nós Desconhecidos se debruça na vida de Adam que tem a chance de conversar com os pais agora adulto e deles saberem mais da vida do filho, e como ele se virou depois do acidente que o deixou órfão.

Das conversas dos três juntos, para as conversas de Adam com eles separados (Bell e Scott fazem uma das cenas entre pai e filho uma das mais lindas de todo o filme), são esses momentos mais tocantes, tristes, e os temas discutidos que entregam cenas de partir o coração, principalmente quando Adam tem a chance de falar abertamente com os pais (um casal, mesmo que jovem, com a mentalidade dos anos 80) sobre sua sexualidade. São esses momentos onde Todos Nós Desconhecidos mais acerta sobre contar essa história e como conta essa história. Haigh não banaliza o tema, mas também não foi faz ser o total foco do filme. A sexualidade de Adam não é a sua principal característica, nem seu principal traço de personalidade, é apenas mais um tópico de conversa com os pais e não o define totalmente como pessoa. 

E esse trabalho de composição do personagem de Scott é fundamental aqui para termos esse assunto ser tratado com o maior respeito e sensibilidade. Afinal, na medida que Adam e seus pais se encontram cada vez mais, a relação com Harry também vai por ganhar novos caminhos. É como se ao encontrar com seus pais (ou os fantasmas deles assim por dizer), Adam conseguisse desbloquear alguns sentimentos escondidos e não trabalhados em terapia para finalmente estar bem com si mesmo para deixar outra pessoa entrar em sua vida.

Com um ar bastante teatral, por conta de termos somente 4 personagens principais, e diversos cenários que mudam com uma facilidade gigante, a trama se desenrola no meio de conversas com os pais na sala de casa, idas para a balada, e algumas cenas mais picantes entre os protagonistas, Todos Nós Desconhecidos trabalha nesse mosaico que é essa grande sessão de terapia que Adm vive e que claro o diretor consegue dar pistas ao poucos para nós, espectadores, que vemos essa história estranha se desenrolar.  

Principalmente quando vemos o personagem sendo colocado numa encruzilhada, de basicamente perder os pais pela segunda vez, onde ele parte entre compreender o que isso significa para si, deixar os pais irem embora para ele focar na vida no mundo real e continuar o seu relacionamento com o vizinho interpretado por Mescal que também está muito bem.

Mas claro que Todos Nós Desconhecidos ainda segura mais algumas reviravoltas e acontecimentos para a vida de Adam e para como o personagem sai mudado desses dias em que ele tem papos com os pais que não estão bem ali. Sensível e devastador, o longa serve para nos mostrar que, às vezes, todos nós estamos passando por alguma coisa por dentro que, às vezes, somos desconhecidos até para nós mesmos quanto mais para os mais próximos. 

No final, Todos Nós Desconhecidos é um soco emocional que nos acerta em todas as direções ao falar sobre relacionamentos, família, perda e luto. Uma história triste, sim, sem dúvidas, mas que não deixa de ser linda, tanto visualmente, quanto narrativamente falando e que vai alugar um triplex na sua mente… e sempre ficará um bom tempo nela igual a música Always on My Mind que é tocada no longa.

Todos Nós Desconhecidos chega em 7 de março nos cinemas.

Filme visto no Festival do Rio 2023.

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