Os 7 de Chicago | Crítica: Uma aula de História e atuação com um roteiro incrível de Aaron Sorkin

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“O mundo inteiro está assistindo” E graças ao streaming, e a Paramount Pictures que vendeu Os 7 De Chicago (The Trial of the Chicago 7, 2020) para a Netflix, que sim, isso será possível, e o mundo inteiro, ou pelo menos os assinantes do serviço de streaming, vão conseguir assistir a incrível e fantástica história sobre um dos momentos mais intensos e brutais do cenário político americano.

Com direção e roteiro de Aaron Sorkin, o longa é tudo que um ótimo filme de tribunal possa ser, tem tensão, reviravoltas no caso, e claro faz uma minuciosa e poderosa narrativa sobre os eventos que aconteceram na cidade de Chicago, nos anos 60, onde diversos grupos protestaram perto da Convenção do Partido Democrata e que culminaram em uma grande briga generalizada entre a polícia, a Guarda Nacional, e os manifestantes.

Os 7 de Chicago | Crítica
Foto: Netflix

Sorkin não foge de suas origens e entrega um filme com um roteiro denso, e que despeja milhares de informações o tempo todo em tela, mas que se garante em contar uma boa história. E para isso, antes, querido leitor, precisamos de rápido contexto para entendermos como estava a política e os ânimos dos EUA naquela época. O ano era 1968, e os dois principais partidos do país estavam para escolher seus candidatos para as próximos eleições. Os EUA estavam em guerra com o Vietnã, e o presidente da época Lyndon B. Johnson – que assumiu após o Presidente Kennedy ter sido assassinado em 1963 e depois foi reeleito na eleição de 1964 – tinha uma política bastante agressiva contra o chamado comunismo e numa medida polêmica mais que dobrou o envio de jovens americanos para lutar contra o país na guerra.

E isso está intimamente ligado com o tema do filme, e os acontecimentos que o longa quer contar. Afinal, o medo da guerra e das políticas mais firmes e conservadores repercutiu entre os mais jovens que começaram a se mobilizar em diversos grupos anti-guerra contrários ao Governo americano. E Sorkin nos mostra esse contexto com diversas passagens retiradas dos noticiários da época e que durante o filme todo se mesclam com as passagens ficcionais e dão um trabalho de verossimilidade incrível para o longa. É a mesma coisa Spike Lee fez em Destacamento Blood (2020) e Infiltrado na Klan (20218) mas a diferença que lá, Lee conseguiu deixar tudo mais descolado, claro.

E Os 7 de Chicago acompanha esse momento dos EUA onde os ânimos estão bem exaltados e diversos grupos se reúnem – e esse é o grande caso que a promotoria julga, se eles se conheciam antes dos protestos, onde o governo os acusa de conspiração por incitar a desordem – para protestarem de forma pacífica, em um primeiro momento, na frente do local onde o Partido Democrata escolheria o seu candidato para disputar as eleições daquele ano. A convenção acontece, o choque envolvendo os manifestantes e a polícia também. E o republicano Richard Nixon é eleito o novo Presidente dos EUA.

E assim, o julgamento dos líderes do movimento é o grande destaque de Os 7 de Chicago e o que move o longa. O bom que Sorkin entende que não pode passar o filme todo dentro do tribunal e mescla os eventos vistos na fátidica noite com o julgamento. São mais de 150 dias. E 8 réus. Na verdade 7. Mas vocês vão entender mais para frente. Temos no banco dos acusados, os líderes da organização chamada Estudantes para uma Sociedade Democrata, os ativistas Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Rennie Davis (Alex Sharp), David Dellinger (John Carroll Lynch), não Derringer aliás, da Mobilização Nacional para o fim da Guerra do Vietnã, a dupla Abbie Hoffman (Sacha Baron-Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong) do Partido Internacional da Juventude, a outra dupla Lee Weiner (Noah Robbins) e John Froines (Danny Flaherty), e claro, Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II) do partido dos Panteras Negras.

Os 7 de Chicago | Crítica
Foto: Netflix

E aqui, além de dar uma aula de História americana, Os 7 de Chicago nos dá também uma aula de atuação, de composição e desenvolvimento de personagens. Em sua segunda empreitada como diretor, Sorkin melhora sua visão por trás das câmeras, e vemos um avanço no que foi mostrado lá em A Grande Jogada (2017), mas de uma forma ou outra é apenas seu segundo longa na direção. Sorkin promete que deverá nos entregar no futuro grandes projetos, em Os 7 De Chicago não temos nada de mais.

Os destaques ficam mesmo com o roteiro, e pela escolha dos atores que estão muito muito bem. A forma como eles trocam olhares, as expressões corporais e tudo mais é o que ajuda a contar a história. Abdul-Mateen II como Seale, um dos acusados que segundo ele foi incluso no processo apenas para causar medo no júri, tem uma das performances e monólogos mais impactantes do filme. Seria 2020 o ano que Abdul-Mateen II levaria uma indicação ao Oscar em Melhor Ator Coadjuvante logo depois de ter levado o Emmy? Só o tempo dirá.

As batalhas e os discursos de Seale para o conservador e linha dura juiz Julius Hoffman (Frank Langella) são um dos pontos altos do longa pela revolta e incômodo o filme transmite para o espectador nos momentos que o magistrado faz o acusado passar ao amordaçar e o prender durante o julgamento, onde em boa parte dele, Seale não tinha uma representação. Em Os 7 de Chicago, Abdul-Mateen II está ótimo e rouba a cena mesmo que apareça pouco, afinal, seu personagem, a história do ativista Fred Hampton (Kelvin Harrison Jr) e dos Panteras Negras não estão nos centros das atenções, o foco aqui são os réus brancos e o destaque acaba por ser mesmo os outros 7 acusados.

Mas não se enganem, em Os 7 de Chicago todos eles tem seus momentos para chamarem a atenção. É como um deles diz “Esse é o Oscar dos protestos, e no que me diz respeito, é uma honra ser nomeado.” Para esses rapazes a causa anti-guerra era uma causa que valeria morrer e enfrentar a polícia e o sistema. E por mais que Cohen e Strong tenham passagens divertidas e que quebram totalmente o gelo da tensão que o julgamento oferece – e Strong faça valer seu Emmy de Melhor Ator por Succession – são nos momentos mais intensos, dramáticos, e por que não os violentos, que Os 7 de Chicago ganha sua força. Redmayne parece estar no piloto automático no filme todo, mas é impossível não vibrar e se emocionar com os momentos finais do longa. E no filme, repetimos todos os atores estão muito bem. Os estrategistas da Netflix vão precisar quebrar a cabeça para ver que vai ter mais destaque na campanha do filme.

Desde dos réus sempre tirando uma com a cara do juiz, e desafiando a autoridade do tribunal, ou ainda do árduo trabalho do advogado de defesa William Kunstler (Mark Rylance, ótimo) para apresentar um caso melhor do que o do promotor do governo americano Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt) que sempre tem uma carta na manga, e claro, o apoio tendencioso do juiz, tudo em Os 7 de Chicago é criado para deixar o espectador possesso da forma que caso é tratado e com a politicagem enorme e que beira a corrupção que é conduzido tudo isso.

Os 7 de Chicago estreia numa época crucial e faz um filme importantíssimo para ser passado antes das eleições americanas, e das brasileiras também, e faz uma reflexão sobre as falhas no sistema público, político e judicial americano e de boa parte do mundo. Claro, Os 7 de Chicago poderia ser melhor aproveitado como uma minissérie em 4, 6 episódios? Sim. Mas em forma de filme, e com o mundo inteiro assistindo, talvez a história desse grupo seja mais vista dessa forma.

Com uma poderosa narrativa que mostra que a ascensão do conservadorismo e das opressões das ideias progressistas não são coisas de agora, e sim de muito tempo, onde o mundo vem debatendo sobre isso desde da década de 60, Os 7 de Chicago não só faz um dos melhores filmes do ano, como também uma grande aquisição para o catálogo da Netflix. No final, o que temos aqui é um filme que tem cara, jeito e atitude de Oscar e que com certeza aparecerá, e de forma merecida, em diversas listas para a próxima temporada de premiações que se aproxima.

Os 7 De Chicago chega na Netflix em 16 de Outubro.

Avaliação: 4.5 de 5.

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