Nove Dias | Crítica: Grande elenco e ótimo roteiro discutem questões essenciais num drama caprichado

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Normalmente nos filmes vemos sempre um personagem lidar com o pós-vida, ou seja, o que fazer quando ele ou ela bate as botas, como diria o ditado popular. Mas aqui em Nove Dias (Nine Days, 2021), o diretor brasileiro Edson Oda troca a posição de onde coloca seus personagens e como quer contar essa história. Em Nove Dias, a trama se passa no começo, bem no começo, antes desses personagens nasceram, no que vamos chamar aqui de pré-vida.

O filme nos apresenta para uma localização presa no espaço-tempo que dá a chances para as futuras almas compreenderem a oportunidade única que o nosso protagonista, o misterioso Will (Winston Duke, ótimo) dá para eles: a chance da vida em si. 

Winston Duke em cena de Nove Dias
Foto: Sony Pictures Classics

A questão ainda é que esses personagens presos nesta casa, começam sua vida já com 9 dias extras, ou seja, eles surgem nesse lugar, já começam sua jornada ali mesmo, precisam se conhecer, escolher seus nomes ali naquele momento rápido durante a entrevista com esse ser todo poderoso.

Eles voltam para o limbo que vieram. 9 dias é apenas o que eles vão conhecer, como afirma a sinopse. Oda coloca diversas perguntas ao longo do filme, como se quisesse confrontar o espectador sobre os mesmos dilemas e questionamentos que Will coloca esses personagens para pensar. E essa é a forma como Nove Dias consegue ser impactante sem deixar de soar cansativo. E ainda tem belíssimas paisagens.

Eu penso em Nove Dias e penso em uma mistura da série The Good Place com a animação Soul só que virado ao contrário, e por mais que Nove Dias tenha seu charme único e totalmente próprio, ele acaba por cair nessa caixinha, ou nessa TV, como aquelas diversas que Will usa para observar a vida das pessoas e ver como aquelas almas se saem depois que são escolhidas por ele para viverem suas vidas como pessoas como eu e você.

Nove Dias confina esse personagens dentro dessa casa mágica e parece que o sentimento de aflição que o tempo está passando para eles, e que eles precisam dizer a coisa certa no momento certo para se provaram dignos de receberem essa oportunidade única (apenas 1 deles será o escolhido) é trabalhado de uma forma espectacular pelo roteiro de Oda. E para isso, o diretor se cercou de nomes super talentosos para o ajudar nisso. E que realmente fazem totalmente a diferença aqui. Esses personagens soam como arquétipos de pessoas que vivem e que podemos ter conhecido ou interagindo em nossas vidas, e graças aos nomes escolhidos a dedo por Oda isso apenas deixa Nove Dias ser muito melhor do que esse texto tenta o descrever.

Todos os possíveis candidatos desse reality show existencial tem suas personalidades próprias e questões que os poderiam levar para ocupar a vaga em si, mas Nove Dias não se trata disso – por mais que seja muito interessante conhecer todos eles, e apostar em quem vai ser eliminado e quem vai sair o vencedor – e sim, discutir as questões levantados pelo roteiro e servir de veículo para esses atores talentosos terem oportunidades de brilharem e se destacarem em tela, seja em momentos juntos, ou em cenas separadas que entregam momentos mais poderosos do filme. A cena final é devastadora de linda.

Zazie Beetz em cena de Nove Dias
Foto: Sony Pictures Classics

Tony Hale, sempre no tom cômico certo, aqui realmente está absolutamente fantástico,  o mesmo vale para a colega Zazie Beetz que tem a oportunidade de fazer matar a saudades de sua presença magnética em tela visto na série Atlanta na medida que sua personagem Emma desafia Will de diversas maneiras. O mesmo vale para o ator Bill Skarsgard que realmente parece se superar a cada novo papel em Hollywood com um dos candidatos mais radicais, Kane. Já Aryana Ortiz como a candidata Maria é outra que consegue se destacar no meio de nomes tão conhecidos e tem cenas profundamente tocantes e interessantes de se assistir. Esses são os destaques para mim, se eu pudesse assumir a figura de Will por alguns segundos.

E na medida que esses personagens tentam vender, quer dizer se vender, para Will, vemos um pouco também da figura desse ser que serve como a grande alfândega entre esses dois mundos. A cada leva de novas almas, Will parece que é mudado com as interações que tem com elas, mas ele está lá estático, parado nesse pedágio sobrenatural, onde os outros vão e voltam, inclusive o seu melhor amigo Kyo (Benedict Wong) que serve como um contra peso para suas ideias e decisões, quase como se fosse o Grilo Falante para o protagonista, a voz da consciência que às vezes Will não quer ouvir, mesmo que ele esteja lá do outro lado da sala. 

Nove Dias trabalha para mostrar todo esse processo, mas também como Will é afetado por ele também. Assim, o filme trabalha com esses personagens complexos, que discutem questões complexas, e que trabalha de uma forma visualmente apaixonante para contar essa história. O texto de Oda nos transporta para esse local, e nos faz ficar submersos nessa história, desses personagens, e nessa situação excepcional que faz de Nove Dias um triunfo no meio de franquias pasteurizadas, remakes que ninguém pediu, e filmes com explosões a cada 15 minutos. Seria pedir muito que a cada 9 dias tenhamos um filme como Nove Dias? Seria pedir muito para Hollywood não termos que esperar sei lá 9 anos para surgir um do mesmo nível e qualidade?

Avaliação: 4.5 de 5.

Visto na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

Nove Dias chega no circuito em 9 de dezembro.

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